sexta-feira, 14 de setembro de 2012

Inconvenientes do Québec - parte 1: L'hiver


Todo mundo fala do tal inverno rigoroso, então vamos a ele. Quisemos começar a série "inconvenientes do Québec" pelo inverno (apesar de não concordarmos que seja um inconveniente) também pra ver se dá uma refrescada na alma já que esse inverno brasileiro de 2012 tá de dormir sem roupa com o ventilador na cara. Sabemos que para muitos, as informações a seguir são básicas e manjadas, mas para alguns podem ser muito úteis e como não criamos um blog pra reter informações pertinentes, aqui vai o que sabemos até então (sujeito a edições conforme novas informações surgirem).
Há muitas coisas a se considerar antes de decidir por imigrar em um país e a temperatura é uma delas. As quatro estações no Canadá são muito definidas (não vemos a hora de vermos de fato a mudança de estações porque aqui é igual o ano inteiro e parece que nesse verão vai ficar pior). Voltando ao Canadá, no inverno a temperatura pode chegar facilmente a -35°C. Então é bom entender como é a temperatura durante o ano pra tentar visualizar como seria a sua vida por lá:
imagem:  meteomedia
O inverno quebécois muda conforme a região. Em Ville de Québec, costuma ser mais frio, principalmente a sensação térmica, em relação a Montréal. Acontece que venta bastante e se você morar perto do rio, a umidade será maior, o que piora a sensação de frio. Portanto, enfrentar -30°C em Montréal é completamente diferente de enfrentar essa mesma temperatura em Québec. Conheço pessoas que contam que andam pelas ruas de Montréal em pleno inverno numa boa (desde que devidamente vestidos) mas não aguentam ficar 5 minutos do lado de fora em Québec. Depois de muitas andanças pelas ruas de Québec através do "street view", consideramos Ville de Québec mais bonita, mas realmente há esse preço a se pagar durante o inverno. Mas não se iludam: no Canadá também faz um calor insuportável, muitas vezes há alertas para períodos de chaleur accablante. Por isso é bom não menosprezar o verão deles também. Há também tempestades de neve perto dos grandes lagos. 

Então, vamos estudar um pouco de geografia e história quebécois:
- O Rio Saint Laurent é um rio que liga os grandes 5 lagos da América do Norte com o Oceâno Atlântico. Pra nós é importante saber que um desses lagos é o Ontário (os outros estão nos EUA). No final dele começa o Rio Saint Laurent que passa pelas províncias de Ontário e Québec no Canadá e por Nova York nos EUA, e termina no maior estuário do mundo, o Golfo de Saint Laurent. Na imagem dá pra ver como o rio aumenta de largura após passar por Ville de Québec. Provavelmente esse deve ser um dos motivos da ventania em Québec que vem do oceâno e que não atinge tão fortemente Montréal. 
- Jacques Cartier foi o primeiro europeu (ele era francês) a descrever e mapear o Golfo de Saint Laurent e as margens do Rio Saint Laurent. Foi quem nomeou o país de Canadá (Kanata), mas isso é assunto pra outro post. O que soubemos é que em uma de suas viagens Cartier chegou em Hochelaga (na Ilha de Montreal) confiante, achando que se fazendo de curandeiro entre os nativos poderia descobrir o Caminho das Indias, mas acabou pego de surpresa por um inverno que não era o da França, com os navios presos no rio congelado e tendo que ser curado de escorbuto com a medicina dos nativos. Ou seja, por mais que estejamos preparados para a imigração, sejamos sempre humildes. Para um imigrante, o primeiro inverno deve ser bem marcante, um renascimento mesmo.  

Aquecendo
Importante lembrar que apesar de parecer uma "fria" ir pro Canadá, estamos falando de um país super estruturado pra aproximadamente 4 meses de neve e muitos meses de frio. Todos os ambientes tem chauffage, inclusive os pontos de ônibus. Com a roupa certa e morando perto de mercados, escolas e meios de transporte, há quem diga que passa muito mais frio debaixo da coberta no Brasil do que no Canadá. Uma dica preciosa que recebemos é que nem todos os imóveis tem uma boa vedação pra que você se mantenha aquecido dentro de casa. O problema é que se você não visitar o imóvel a ser alugado/comprado no frio, não tem como saber sobre a vedação. No inverno, a casa precisa de aquecimento todos os dias,  no mínimo de dezembro a marco para manter a casa em pelo menos uns 10°C,  caso contrário, além se sentir muito frio, você corre o risco de ter os canos congelados e estourados. Dizem que quem não tem chauffage inclusa no valor do aluguel, leva vários sustos quando chegam as contas. Mas tem uma vantagem: se você pagar a Hidroquébec (eletricidade) separado do aluguel, você tem direito a uma visita gratuita de um conselheiro e de um técnico do programa ÉCONOLOGIS, eles fazem parte do Vivre en Ville que é um organismo mantido pela "Agence de l'efficacité énergétique" que criou este programa.  Nessa visita (que dura em média 1h e meia), eles fazem uma inspeção em todas as janelas e portas da casa, verificam a vedação, verificam até as torneiras e, se for preciso, intalam "filtros" que reduzem a passagem da água quente, trocam até o chuveiro por um mais moderno, verificam também os eletronicos e nos dão inúmeras dicas de como utilizá-los e como economizar energia. Nós, pessoalmente, achamos mais "negócio" ter essa possibilidade do que alugar um imóvel com cahuffage inclusa no aluguel no verão e com uma vedação ruim que você só vai descobrir no inverno, sem poder fazer nada até se mudar novamente.
Por outro lado, imigrar no inverno pro Canadá pode ser um pouco estressante uma vez que a sua melhor jaqueta brasileira não vai servir pra NADA lá. E chegar já tendo que correr pras lojas de roupas de frio pode custar bem caro, uma vez que no verão você encontra peças boas pela metade do preço. 

Aqui alguns posts sobre vestimentas adequadas pro inverno rogoroso quebécois:

Danger sur la neige
Mas a neve tem chatices maiores...e perigosas. Pelo que ficamos sabendo até agora, todos os proprietários (inquilinos não) devem ter suas pazinhas pra retirar o excesso de neve de frente de suas casas e é bom ficar ligado na previsão do tempo e deixar o carro na garagem ou então vai ter que desenterrar o carro da neve também. Você pode pagar um serviço pra limpar a sua fachada, parece que custa por volta de 350 dólares por inverno. Há esses tratorzinhos do governo que fazem o deneigement nas ruas e jogam a neve pra cima dos carros que estiverem estacionados. Quando a neve congela em cima, é mais difícil tirar, nesse caso é preciso ligar o motor para aquecer o interior e ir derretendo a neve congelada que fica mais dura. Sabemos de gente que mandou instalar um sistema de partida por controle remoto e gostou bastante. Nesse vídeo dá pra ver o que é neve com vento (mas notem as crianças brincando na neve tranquilamente) e como é o tratorzinho em ação:
Muitas vezes o sal que o governo joga pra derreter a neve corroe o carro, por isso, é necessário fazer um tratamento antiferrugem regularmente. Um gasto a mais que os brasileiros não tem. Só que não fica por aí, além do tratamento antiferrugem, é necessário encher o reservatório do líquido para limpar o pára-brisas com uma substância anticongelante, assim é possível remover o gelo do vidro com o esguicho. A bateria também sofre com o frio, é bom garantir que a bateria e o sistema de arranque estejam em bom estado. No Canadá nunca se coloca água no radiador (adivinha o que aconteceria no inverno), apenas um líquido especial que não congela mesmo em -40°C, o óleo pode ser o mesmo o ano todo. Mas o pior, sem dúvida, é escorregar no gelo e quebrar um braço ou uma perna, ou ainda bater o carro devido a um fenômeno chamado Verglas. Resumidamente, trata-se de água de chuva ou garoa que em contato com uma superfície com temperatura abaixo de zero, congela e cria uma fina camada de gelo. também pode acontecer da neve derreter e voltar a congelar criando o verglas. Já ouvimos que ter que dirigir em ladeiras nesses casos é BEM problemático (nossa lógica diz impossível), nesses casos o melhor é ficar em casa ou usar transporte público e quando há tempestade de neve simplesmente fica todo mundo em casa, nem ônibus passa (claro que tem os doidos que saem, mas as recomendações é para que fiquem em casa). A lei não autoriza o uso de correntes em carros de passeio, correntes podem danificar o carro e o asfalto. Apenas veículos de urgência, tratores e caminhonetes que tiram a neve são autorizados a usá-las quando necessário. Então, no Quebec é obrigatório o uso de pneus de inverno entre 15 de dezembro e 15 de março. O pneus de inverno possuem uma borracha concebida para ser mais macia mesmo no frio intenso. Nos pneus normais e dos chamados “quatre saisons” a borracha vai ficando rígida a medida que a temperaturas cai abaixo de 5°C. Eles possuem também ranhuras mais fundas e micro ranhuras para drenar melhor a neve e aderir melhor no gelo (mas claro que essa tecnologia toda tem um preço e ouvimos dizer que é bem salgado e corroe nossos bolsos). Esses mesmos pneus de inverno, no verão hot do Québec podem ficar macios demais desgastando-se rapidamente e ficando carecas em poucos meses. Existe também risco de segurança, pois em altas temperaturas eles podem super-aquecer e estourar. Mas enfim, o que acontece no Québec é que no outono são colocados os pneus de inverno e na primavera são recolocados os pneus de verão. Também ficamos sabendo que um carro comum de passeio pode rodar com mais ou menos 10cm de neve acumulada, um SUV (Sport Utility Vehicle) passa por 20cm, se for 4x4 (ou quatre pattes) talvez mais, com a vantagem de não ficar atolado na neve e não precisar de limpeza imediata pra poder sair com ele. Já freios ABS ajudam a evitar acidentes ou minimizá-los. Ao contrário do que alguns pensam, freios ABS não reduzem o espaço de frenagem, eles evitam a perda de controle do veículo. Quando há gelo na pista, qualquer pisada mais forte no freio aciona o ABS, no princípio a impressão é que o carro não vai parar, mas ele pára. Outro fenômeno típico dos países gelados é o slush. Trata-se de uma meleca feita da mistura de neve ou gelo no asfalto parcialmente derretidos, misturados ao  sal ou outro produto anticongelante, amassados pelas rodas dos carros. Fica com a consistência de uma lama e deixa o carro (e acreditamos que os calçados) todo sujo. Enfim, quem quiser morar num lugar onde há a magia do Natal com neve vai ter que comprar o pacote todo da brincadeira e entrar na dança do asfalto gelado.

Pra finalizar, um video que não poderiamos deixar de postar porque faz a gente rir e refletir sobre a imigração e a neve na vida do sul-americano deslumbrado:

quinta-feira, 13 de setembro de 2012

Sessão Francófona - 1

Abrimos nossa sessão francófona com uma estréia de peso: um filme puramente quebécois com diálogos típicos do dia-a-dia do Québec. Como se não bastasse ser bom pra treinar o francês, o filme é simplesmente EXCELENTE. Na verdade já virou um clássico que quem já começou a jornada pela Imigração certamente já conhece. Mas pra quem ainda não teve o prazer de conhecer, apresentamos:
C.R.A.Z.Y. conta a história de Zachary Beaulieu (Marc-André Grondin), um jovem lidando com seus emergentes sentimentos homossexuais enquanto cresce com quatro irmãos e um pai conservador no Québec dos anos de 1960/1980. Muito interessante também pra entender o contexto histórico da época, onde aconteceu a Révolution Tranquille e a Igreja Católica parou de mandar no Québec. 

Mas não pára por aí: bons atores, enredo excelente e uma trilha sonora fantástica com direito a David Bowie, Pink Floyd e outros, esse filme realmente é uns dos que já ocupam nossa estante de filmes "vale à pena ver de novo". Não é a toa que ganhou vários prêmios e foi indicado como melhor filme estrangeiro no Oscar 2006.

Le Paradis Perdu

Père não foi chamado para nenhuma entrevista de la Mission. Apesar de parecer chato num primeiro momento, no fundo foi melhor. Mère ficou muito apreensiva com a idéia de Père fazer uma entrevista com um nível tão iniciante de francês. Claro que o máximo que iria acontecer seria levar um "não" na cara, mas achamos que a intenção real era apenas passar pela experiência e não a de realmente conseguir alguma coisa agora. Além disso, conhecemos algumas pessoas que não foram chamadas na primeira vez, foram chamadas mas não passaram na entrevista na segunda vez e que puderam escolher a empresa pra onde queriam ir na terceira vez. Portanto, estamos dentro da normalidade. Valeu como experiência pra montar CV e passar para o francês. Da próxima vez metade do trabalho já estará feita. Vai ser preciso só atualizar e fazer pequenos ajustes.
Voltando à vida normal, pudemos colocar a cabeça no lugar e analisar nossas possibilidades com mais calma e frieza. Vamos continuar tentando arranjar um emprego quebécois daqui, mas vamos respirar fundo e aplicar pra residente permanente também. Serão 2 anos juntando dinheiro sem poder fazer nada. E quando dizemos "nada" é rien de rien mesmo. Sem lazer, só o essencial pra sobreviver. Père tem muito medo de perder o emprego novamente e por isso tem feito muitas horas-extras. O problema é que com isso tem perdido muitas aulas de francês, mas Mère estuda com ele e ensina o que ele perdeu. É aquela velha estória: quando se quer muito uma coisa, tem que fazer por onde. Tem que dar os seus pulos e fazer acontecer. O que não dá é pra ficar sentado se lamentando pela vida ruim que leva. Temos um sonho e vamos correr atrás dele até conseguir. Sempre pensando que lá provavelmente Père e Mère poderão sair do trabalho no horário combinado e vão poder ter uma vida de verdade e não somente sobreviver como acontece no momento.
Não existe lugar perfeito, é verdade. Qualquer país, estado, cidade, bairro vai ter seus prós e contras. O canadá não foge a essa regra. Estamos investigando os dois lados da moeda porque tomar uma decisão tão séria como essa requer pé no chão. Mas é verdade também que o Canadá é apaixonante e que já temos o Québec nos nossos corações. Sabemos direitinho que quando chegarmos no hemisfério norte, a luta estará só começando, mas nunca foi nossa intenção encostar a bunda no sofá. O que queremos, como já dissemos, é lutar sabendo que colheremos os louros depois.
Acreditamos que cada pessoa tem seu paraíso na Terra. O paraíso começa dentro da gente com a vida que gostaríamos de levar, com as experiências que gostaríamos de vivenciar,  com as sensações que queremos experimentar, com os desafios que queremos superar pra sentir o gosto da superação depois. O Québec representa tudo isso pra nós. É o nosso paraíso perdido e estamos caminhando em direção a ele com o sentimento de quem está voltando pra casa mesmo. Nós nos identificamos com essa cultura, com essa natureza, com essa população. Mesmo com a questão separatista, mesmo com a depressão invernal e outros pontos que postaremos mais pra frente. Queremos tudo isso nas nossas vidas. Agora é tarde pra voltar atrás e reclamar das dificuldades que encontraremos. Nous voulons Québec! 
Viendras-tu avec nous, Étranger, 
Ou resteras-tu au sol, 
Ou resteras-tu au sol, 
Habitué, 

Il ne reste que peu de temps avant vendredi, 
Que tu partes ou tu restes, 
Tout est fini, 
Nous ne renviendrons plus... du paradis perdu, 

Au-delà de la mer il existe un pays qu'on dit impossible, 
Comme le paradis de la Bible, 
Au-delà de la mer il existe un pays presqu'aussi beau que la folie, 

Y vivent des peuples parfaitement sains, parfaitement accueillant, 
On s'y baigne toute la journée dans des chutes et des torrents, 
Et des cascades et des rivières, 
Et l'eau est aussi pure et aussi légère que l'air, 

Nul besoin de planter, 
le blé pousse à foison, attendant les moissons, 
Et à perte de vue court un animal qu'on nomme le bison, 
Les montagnes sont couvertes de moutons qu'on les dirait enneigées jusqu'au sol, 

Au-delà de la mer il existe un pays aussi beau que le paradis, 
Et les filles sont belles, 

Viendras-tu avec nous, 
Viendras-tu avec nous, 
Étranger? 

Ou resteras-tu au sol, 
Ou resteras-tu au sol, 
Habitué, 

Il ne reste que peu de temps avant vendredi, 
Que tu partes ou tu restes tout est fini, 
Nous ne renviendrons plus... du paradis perdu. 

Il y aura tout d'abord les épreuves et le vent, 
Il y aura les tempêtes, les mers d'huiles, 
Il y aura les vagues meurtrières, 
Il y aura les récifs les écueils, 
Il y aura les requins, il y aura le scorbut, les épidémies, 
Il y aura, il y aura les mutineries, 
Et plusieurs d'entre nous y lausseront leur vie, 
Y trouveront leur destin, 

Viendra-tu avec nous? 

Et puis un jour nous l'apercevrons la terre promise, 
Il faudra faire attention en accostant, 
Plusieurs se jetteront à l'est et se noieront, 
Il y aura les marais, les sables mouvants, 
Il faudra être patient, trouver l'estuaire, 
Au-delà de la mer il existe un pays aussi beau que le paradis, 
où vivent des peuples aussi doux que la folie, 

Alors en arrivant, il faudra peut-être tuer les soldats, 
Et sûrement le commandant et cet imbécile de missionnaire 
Enfin il faudra tué tout ceux qui croit en moi, 
Il faudra ensuite couler le navire et ne plus jamais revenir, 
Du paradis perdu.

Jean Leloup (cantor/compositor quebécois bastante conhecido nas terras geladas e que tem presença garantida na trilha sonora dessa nossa jornada).