filme "Em busca da felicidade" – "The Pursuit of Happyness" (2006) |
Eu nunca gostei de morar no Brasil. Nunca. Não me identifico com as músicas, as comidas, as novelas, o futebol, nada. Acho o calor insuportável. Nasci no país errado, definitivamente. A única coisa que eu aprecio verdadeiramente (além da minha família e dos amigos) são as praias. Mas como eu não gosto muito de torrar no Sol e de me sujar na areia, quando vou a praia, fico meia hora e já me dá aqueles 5 minutos de querer ir embora. Ninguem gosta da corrupção, mas muita gente esquece dos problemas quando chega o carnaval. Eu detesto o que o carnaval brasileiro se tornou. Tenho nojo do horário político, acho voto obrigatório um absurdo. É muita coisa mesmo, eu ficaria horas falando de tudo que não gosto no Brasil, como a lei do inquilinato, o fato de sermos obrigados a pagar não só o aluguel, como o condomínio e bancar toda manutenção do imóvel dos outros (diferente do Canadá que tem até um telefone pra você reclamar, caso o dono do imóvel não mande alguém pra arrumar o que estiver precisando).
Mesmo assim, eu não havia pensado seriamente em sair do país até ter meus filhos. É uma coisa muito difícil quando seu filho precisa de algo e você não pode dar. Veio aquela vontade grande de dar tudo que eles merecem, de lutar para que eles sejam felizes, livres. Pais são mendigos do sorriso de seus filhos. Fazemos o que for preciso pra vê-los felizes e todo o resto é secudário. Não quero que eles escolham uma profissão pensando em sobreviver. Quero que possam viver com dignidade fazendo o que gostam e aqui no Brasil isso é difícil de acontecer. Quase como ganhar na loteria. Mal posso imaginar como vou ficar preocupada quando sairem com os amigos de madrugada nessa violência toda. Também fiquei pensando que não quero ser um peso pra eles quando ficar velha. Quero que me visitem quando sentirem vontade e só pra nos abraçarmos e darmos risadas. Me lembro do dia em que minha mãe implorou pra que eu terminasse a faculdade com medo que eu não conseguisse sobreviver sozinha. E agora, quantas vezes temos que nos sacrificar pra que nossos filhos tenham roupas, sapatos comuns sem nenhum luxo. A mulher brasileira não tem o direito de ter filhos e cuidar deles quando ainda são muito pequenos. O machismo brasileiro mudou de forma, mas continua forte. Fui humilhada no trabalho quando engravidei. Agora trabalhando fora, temos dupla jornada e ficamos longe dos nossos filhos por 10 horas. Sem escolha. Quem se recusa a isso e escolhe os filhos como eu, paga um preço muito alto. Eu tenho pago. Não me arrependo, mas tem sido muito duro. Quase um castigo por ter deixado a carreira de lado por 4 anos pra formar cidadãos (meu maior pecado).
Essa vontade de dar o que eles merecem foi crescendo e a sensação de inadequação no Brasil também. A desigualdade social nesse país é uma das maiores injustiças que eu já presenciei. Como enfermeira, é duro ver que idosos que sofrem no SUS sem direito nem a um travesseiro, uma refeição decente, papel higiênico, um dia foram trabalhadores que suaram muito pra dar o mínimo pra seus filhos. Pessoas que contribuiram com seus impostos e não receberam nada em troca. E eu me pergunto: cadê a meritocracia? Dizer que pra conquistar as coisas basta correr atrás e vencerá por seus próprios méritos, nesse país, é uma mentira deslavada. Agora está tendo um boom imobiliário no Brasil. Os aluguéis estão absurdos e os imóveis à venda estão completamente fora da realidade. O custo de vida tem ficado cada vez mais impraticável. Ainda me lembro de quando um pastel de feira custava 1 real. Mas quantos conseguem sair desse circo e escolher um lugar mais justo pra viver? Poucos.
Nós, por exemplo, só temos uma esperança e essa é a terceira notícia que eu queria compartilhar com vocês: estou para receber um precatório, uma dívida que o governo do estado tem comigo há mais de 10 anos. O valor realmente é bem alto. Daria pra custear todo processo de imigração duas vezes. Sem isso, vai ser muito difícil para nós (eu diria impossível) obter todo dinheiro da imigração. Queríamos imigrar justamente porque nossa vida tem sido muito difícil aqui, mas olha que ironia: o motivo que nos faz querer ir embora é o mesmo que nos impossibilita. Perdemos muita coisa: carro, apartamento, etc. O dinheiro que Père recebe só dá pra pagar as contas e não conseguimos guardar dinheiro. Nem pagar escolinha, não dá.
Então, uma pessoa muito íntima minha ficou de averiguar o processo do precatório pra mim no fórum. Geralmente você leva quase 2h na fila pra ser atendido e eu com 2 crianças pequenas teria sérios problemas em me deslocar de ônibus até lá (não sou preguiçosa, mas o local é muito longe da minha casa e quando você está a pé com 2 crianças muito pequenas que querem colo toda hora, algumas coisas ficam impraticáveis). Enfim, a pessoa foi lá inúmeras vezes e cada dia a notícia era diferente. Teve até um período onde não se achava minha pasta do processo. Passei muito nervoso. Mas as últimas notícias é de que o pagamento já foi aprovado e algumas pessoas já receberam. Estão pagando quem é prioritário (idosos, deficientes) e quem tinha uma quantia menor a receber. ou seja, estou na fila, mas um dia meu pagamento sai.
Mas que dia? Esse vai ser o próximo capítulo. Amanhã essa pessoa, juntamente com uma advogada da minha família, vão até o fórum ver se consegue descobrir a data do pagamento e o valor correto. O problema, como eu já mencionei antes, é que eu precisaria aplicar ainda esse ano por causa da experiencia profissional. Eu e minha família estamos presos nesse país, assim como muitos. Faz mais de 10 anos que eu espero pelo pagamento desse processo. Mas se o meu pagamento não sair esse ano, terei que pedir um empréstimo pra alguém e quando o precatório sair, eu pago a pessoa. É o meu plano B, que eu quero evitar ao máximo por saber que seria um pedido no mínimo indecente de se fazer a alguém, visto o valor alto a ser emprestado.
Existe uma única pessoa na família que talvez pudesse me ajudar com empréstimo. Mas eu me sinto tão mal em fazer esse pedido que pedi que minha mãe conversasse com a pessoa antes. Sinto até vergonha porque parece que não sou capaz de resolver meus problemas sozinha, mas pra mim ainda depender dos outros pra ser alguem na vida é vergonhoso e humilhante. Coisas que só o Brasil faz por você. Em breve vou saber a resposta do precatório e da pessoa e isso vai definir o meu futuro e o futuro dos meus filhos. Por isso, agora ta meio difícil de controlar a ansiedade. Dias atrás, tive uma crise. Só a professora de francês (fofa demais) conseguiu tirar um sorriso do meu rosto. Eu só chorava. Acordo na madrugada pra tentar achar uma saída.
Caso a pessoa me dê um sonoro "não" e o precatório não saia esse ano, meu plano C é voltar a trabalhar pra ter novamente experiência na área e esperar o precatório sair. Eu já comentei que não queria colocar meus filhos na rede pública daqui, mas estava realmente disposta a sacrificar a parte mais preciosa da minha vida (e da vidinha deles) pra conseguir o dinheiro pra imigrar e dar um futuro decente pra eles. Então fui procurar vagas na minha área. Quase cai pra trás quando vi que estão oferecendo mil reais para enfermeiro. Como fiquei 4 anos cuidando dos meus filhos, não fiz especialização e tenho pouca experiência. Isso quer dizer, que não vou ter dinheiro nem pra dar entrada no processo enquanto o precatório não sair.
Outra opção era Père conseguir um emprego no Québec, daqui. Mas ele não conseguiu tirar nenhum certificado ($$$) ainda e percebeu que nas vagas canadenses sempre pedem. De qualquer forma, fiz uma planilha com todos os gastos, desde o TCF até os gastos nos primeiros meses de Québec. Computei tudo. E deu mais de 50mil reais para nós que somos 4 (5 com a cachorrinha). Posso fazer um post só com os gastos depois. Eu já imaginava, mas ver o valor ali foi um tapa na cara. Foi como ouvir: "o Canadá não é pro teu bico, esquece!". Até mesmo porque, no plano C, eu vou ter que torcer muito pra ainda ter o perfil desejado pelo Québec. Vou estar mais velha e o processo de imigração vive mudando. Já pensou, gastar tempo, dedicação e uma boa grana pra ser rejeitada? Esse precatório é a minha única chance, seja lá o que eu for fazer com ele.
E por que eu estou escrevendo isso e expondo um problema tão íntimo e humilhante? Porque se você tem condições e está na fila do processo, lembre-se que é só uma questão de tempo. É claro que o processo de imigração está uma zona, claro que está havendo desrespeito e eu concordo plenamente com a revolta de todos. Mas dos males o menor. Por isso, quando o visto chegar na sua casa, sinta-se privilegiado. Tenha a certeza de que muitas pessoas gostariam de estar no seu lugar, gostariam de que o único problema fosse uma espera mais longa.
Mas, eu tenho um plano D, caso tudo dê errado ou eu chegue a conclusão que o plano C é arriscado demais. Porque tem que haver vida além do Québec, ou então sentemos todos e tomemos diabo verde. Estou cogitando ir pra uma cidade mais tranquila no Sul do Brasil pra poder criar meus filhos na simplicidade. Vão frequentar a escola pública mesmo porque não temos como pagar um bom colégio, vamos depender do SUS e teremos que nos conformar com isso. Pelo menos vamos respirar um ar mais puro e ter uma vida mais tranquila. o problema é Père achar emprego numa cidade tranquila no Brasil. Mas eu não suporto mais viver numa cidade que preciso de carro pra ir na padaria. Dai vamos ter que nos entender aqui. O que não dá mais é pra viver como temos vivido. Nesse caso, o precatório será pra dar entrada numa casinha. Pelo menos terei onde cair morta. Mas confesso que se só me sobrar o plano D, vai ser f*oda ter que se conformar sabendo que um país de primeiro mundo está precisando de enfermeira e eu não poderei mais ir pra lá por culpa do governo do meu próprio país.
Enquanto isso, eu espero. E reflito.